Por que todo protesto na Índia está ligado a greve de fome


Diferentemente de países como Líbia e Síria, na Índia as pessoas jamais usam armas para reivindicar uma causa política - por mais nobre que ela possa ser

Apesar de ter promovido a maior mobilização contra a corrupção desde a independência da Índia, em 1947, Anna Hazare, o ativista que está hospitalizado desde segunda-feira depois de ter suas exigências atendidas pelo governo, não é o primeiro indiano a fazer jejum em prol de uma causa política - nem será o último. Isso porque essa é a única forma efetiva de protestar no país de Gandhi. "Greves de fome são usadas como um método para mostrar que os protestantes realmente não têm poder, mas ele usa o poder de abrir mão de sua alimentação diária contra os poderosos, já que é o único meio que ele possui", explica a cientista política e professora da Universidade de Calcutá, Bonita Aleaz.

O jejum foi popularizado na Índia com Mahatma Gandhi (1869-1948), a figura histórica aclamada como o criador de um modelo de revolução não violenta. Lá, Gandhi é considerado o principal responsável pelo fim do colonialismo britânico no país. Em sua teoria pacifista, quando alguém deixa de reagir a uma agressão, tira a razão do agressor e, mais cedo ou mais tarde, ganha a causa. O impacto da filosofia foi tão grande na Índia que a greve de fome é, até hoje, reconhecida como a única forma moral de alcançar um objetivo político. "É a nossa filosofia, nosso contexto histórico, o nosso princípio de que você não deve adotar qualquer meio que possa trazer derramamento de sangue", destaca a cientista política.
Por isso, diferentemente de países como Líbia e Síria, na Índia as pessoas jamais empunham armas para reivindicar uma causa qualquer, por mais nobre que ela possa ser. "Os ativistas não podem fazer uma manifestação massiva, porque isso envolveria inúmeros fatores que não combinam com a mentalidade indiana, a maioria dos indianos a rejeitaria totalmente", explica Bonita Aleaz. "É contra os princípios indianos de resistência. Aqui, você só pode fazer isso como último recurso absoluto contra um opressor terrível." Apesar de ser uma tradição, negar sustento ao próprio corpo é considerado ilegal no país e pode levar à prisão - como aconteceu com Hazare no primeiro dia de seu jejum. É uma violação do direito à vida, garantido pelo artigo 21 da Constituição. E se o ativista se negar a interromper a greve de fome, a prática será vista como tentativa de suicídio, e ele pode ficar detido por um ano.
Popularidade - Isso não quer dizer, entretanto, que qualquer indiano alcançará suas exigências políticas, econômicas ou sociais chegando à beira da desnutrição. Para que o protesto surta o efeito desejado, o ativista precisa ter expressão política, ou seja, ser uma pessoa já conhecida e que, portanto, conseguirá o apoio da população. Além disso, nada será feito sem a cobertura total da imprensa, especialmente da TV. "Se não houvesse muita publicidade sobre a greve de fome, talvez nem a notaríamos. É preciso que haja atenção da imprensa em volta do jejum e muito apoio a essa pessoa até que se torne uma questão nacional", salienta a professora indiana.
Hazare, que já era conhecido por ter transformado o vilarejo de Ralegan Siddhi, no estado de Maharashtra, em um modelo de desenvolvimento rural - sob o autoritarismo de um líder que proibiu a circulação de bebidas alcóolicas na comunidade - cumpriu todos esses requisitos, assim como a governadora do estado de Bengala Ocidental, Mamate Banerjee. Primeira mulher a alcançar esse cargo no país, Mamate passou 26 dias em greve de fome contra a aquisição forçada, por parte de uma indústria, de mil acres de terra de fazendeiros em Nandigram e Singur. Ambos receberam intensa cobertura da imprensa, nacional e internacionalmente, o que garantiu o sucesso da empreitada. E eles são apenas os exemplos mais recentes de indianos que, sem derramar uma única gota de sangue alheia, usam o sofrimento pessoal para ver suas reivindicações atendidas. E quase todos alcançam seu objetivo. Por isso, além de efetivo, esse também é o meio de protesto que ganha mais adeptos a cada dia.
Com informações: Veja