Governistas esperam acirramento na estreia de Cunha na oposição



Alan Sampaio / iG Brasília

Para Silvio Costa (PSC-PE), ida de Cunha para a oposição será melhor para a governabilidade. "Ele passará a fazer às claras o que já fazia às escuras"

Começa nesta segunda-feira (3) aquilo que na visão de governistas será uma nova fase na relação do Planalto com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Será a estreia do deputado na posição oficial de opositor, embora muitos já o vissem desta forma, mesmo nos corredores do Planalto, e nas reuniões petistas na Câmara. A nova roupagem de Cunha debutará num momento em que o governo trabalha até pedindo ajuda de governadores para evitar pautas que gerem mais gasto para a União.

Na agenda desta semana, Cunha incluiu um menu indigesto para os planos da presidente Dilma Rousseff que, com a alta de sua impopularidade, luta para economizar e acaba vendo parte de seu ajuste fiscal virar fumaça com a decisão do Comitê de Política Monetária de mais uma vez aumentar a taxa básica de juros, a Selic.

Nesse sentido, chamam a atenção o Projeto de Lei 1358/15, que equipara os rendimentos do FGTS aos da caderneta de poupança a partir de 1º de janeiro de 2016, e a PEC 443/2009, que estabelece parâmetros para remuneração de advogados públicos. “Não acho que é uma nova relação. Vai piorar o que já era ruim. O comportamento dele vai piorar, o que é grave. O Legislativo não pode ficar refém de quem quer que seja”, diz Alessandro Molon (PT-RJ).

No caso da PEC 443/2009, o caminho é mais longo, em função de duas outras PECs que estão na fila e são prioridade absoluta na agenda de Cunha, a que trata da redução da maioridade penal e o texto da reforma política, ambas em segundo turno. Embora não sejam consideradas oficialmente pautas do governo, o Planalto gastou muita energia nessas questões e isso não deve ser diferente agora.

"A ida do Cunha para a oposição será melhor para a governabilidade. Ele passará a fazer às claras o que já fazia às escuras. Antes a gente sabia qual era o jogo dele, mas não podia peitar por causa do melindre que existia em torno da possibilidade que havia dele poder de fato integrar a base, colaborar. Agora não tem mais isso", afirma o deputado Silvio Costa (PSC-PE), que é vice-líder do governo. "Não falo como vice-líder, isso é minha opinião pessoal", ressalva.

Durante o recesso parlamentar, em 16 de julho, Cunha anunciou sua decisão de se retirar da base de apoio ao governo. Ele fez isso depois de o consultor Júlio Camargo, em depoimento de delação premiada na Justiça Federal do Paraná, o acusar de ter recebido US$ 5 milhões para liberar contratos da Petrobras nos anos de 2006 e 2007. O presidente da Câmara afirmou que o delator mentiu e o fez sob pressão do procurador-geral da República Rodrigo Janot, supostamente orquestrado com o Planalto.

Para o petista Paulo Pimenta (RS), Cunha poderá usar a pauta da Câmara para pressionar o governo pela não recondução de Janot ao cargo de procurador-geral da República. A lista tríplice com os nomes para o cargo deverá ser anunciada nesta segunda e caberá a presidente Dilma a palavra final sobre o assunto. Janot está no páreo. "Mas acho que agora as coisas serão mais claras porque antes vivíamos uma situação paradoxal. A decisão dele [Cunha em deixar a base] vai clarear o jogo", avalia o gaúcho.

Já o PL que muda a remuneração do FGTS dependerá da votação de duas propostas do Executivo que tramitam em urgência constitucional e trancam a pauta de votações (exceto para PEC). Um deles é o do Projeto de Lei 2016/15, que tipifica o crime de terrorismo, pauta fundamental em face da realização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro no próximo ano, e o outro é o PL 2020/15, que possibilita o bloqueio de bens, direitos e valores de pessoas ou empresas, objeto de resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU).

Contas do governo

Também se destacam na pauta os quatro decretos que pedem aprovação das contas dos governos dos ex-presidentes Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inacio Lula da Silva. Na visão de petistas e deputados da base, trata-se de mais um gesto de Cunha na direção do Planalto. Ele quer limpar a fila para fazer a apreciação das contas de 2014.

Justamente essas contas foram alvo de questionamentos do Tribunal de Contas da União e obrigaram o governo a entregar uma defesa de seus números durante o recesso parlamentar. Está na mão do TCU agora avaliar se Dilma descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal. A palavra final, entretanto, será do Congresso. Parte da oposição mais ligada a Aécio Neves (PSDB-MG) usa exatamente esse suposto descumprimento para embasar umas das linhas de frente que defende que Dilma seja afastada da presidência.

Para Pimenta, essa é uma forma de Cunha demonstrar maior protagonismo no tema, ponto nevrálgico para o Planalto em meio a ameaças de impeachment vociferadas pela oposição. “Ele já tinha anunciado que faria. Isso sempre foi analisado pela comissão de mista de Orçamento. Ou seja, ele certamente demonstra uma disposição em ter mais influência nesse tema”, diz o petista.

“É claro que Cunha quer limpar a pauta para julgar as contas de Dilma”, dispara Costa, que criticou a ida do ministro Augusto Nardes, do TCU, ao Congresso para pedir a Renan Calheiros (PMDB-AL) que vote as contas dos ex-presidentes o mais depressa possível, abrindo caminho para a apreciação das contas de Dilma. “Ele ir ao Congresso pedir que o Congresso faça seu papel? Por que é que não foi antes? Aquelas contas estão lá paradas há anos. Por que justamente agora? Ele está politizando o julgamento das contas”, critica Costa.

Cunha faz pouco caso das acusações de bastidores de que estaria armando uma pauta bomba para retaliar o governo. Ele diz achar normal esse tipo de preocupação do Executivo, mas se defende. “É normal, mas a pauta não é bomba. A bomba é que fazem emendas nas Medidas Provisórias e aí o governo perde na votação em Plenário”, diz Cunha numa referência aos dois vetos impopulares de Dilma que barraram o reajuste para servidores do judiciário e a extensão da regra de ajuste do salário mínimo para aposentadorias.