Internacional: Por que os investimentos estrangeiros avançaram 153% na Venezuela, apesar do agravamento da crise?

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Em meio à queda dos investimentos estrangeiros em toda a América Latina e Caribe em 2015, um país registrou números surpreendentemente bons.

A Venezuela, que está enfrentando uma crise econômica cuja gravidade encontra poucos paralelos em sua história, foi o país latino-americano que observou o maior aumento de investimentos diretos vindos do exterior no ano passado, 153%.

O novo relatório da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), da ONU, também traz outra surpresa: a Argentina ficou em segundo lugar, com 130% de aumento em relação a 2014.

E isso apesar das disputas da então presidente do país, Cristina Kirchner, com o capital internacional.

De acordo com o documento, chamado O Investimento Estrangeiro Direto na América Latina e Caribe, 2016, a situação da América Latina e Caribe é pouco confortável em termos de fluxos de capitais de outros países.

Em toda a região, os investimentos caíram 9,1% em 2015, totalizando US$ 179,1 bilhões, o nível mais baixo desde 2010.

Segundo a Cepal, o resultado se deve a aplicações mais baixas em setores ligados a recursos naturais, principalmente mineração e hidrocarbonetos, e à desaceleração do crescimento econômico, acima de tudo no Brasil.

O documento afirma que no país o investimento estrangeiro direto encolheu 23%, para US$ 75,07 bilhões. Foi a terceira pior queda da região, ficando atrás apenas de Colômbia e Uruguai.

Mesmo assim, o Brasil continua sendo o maior destino regional desses fluxos, concentrando 42% do total.
'Anomalia estatística'

O resultado da Venezuela surpreende, principalmente quando se leva em conta que fortes restrições cambiais impediam que muitas multinacionais enviassem seus rendimentos de volta para suas sedes em 2015.

Os especialistas da Cepal alertam, porém, que os números dos investimentos no país parecem apontar mais para uma "anomalia estatística" do que para uma melhora real na economia local.

"É preciso analisar com o que estávamos comparando. Em 2015 houve um aumento importante porque o ano anterior teve níveis extremamente baixos para o que é a tendência histórica da Venezuela", disse à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, Álvaro Calderón, representante de Assuntos Econômicos da Divisão de Desenvolvimento Produtivo e Empresarial da Cepal e um dos autores do relatório.

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Em meio à crise, os investimentos estrangeiros também caíram no Brasil

Calderón afirmou que cerca de US$ 320 milhões em investimentos chegaram ao país em 2014. No ano seguinte, foi registrado mais de US$ 1,3 bilhão.

"A média história do país é muito maior do que isso."

Para Calderón, o aumento em 2015 é "mais um acidente aritmético do que uma mudança de tendência importante".

Mas o fato de que mais de US$ 1 bilhão chegou à Venezuela, apesar de todos os problemas locais, indica que o país continua sendo atraente para algumas fontes de investimento estrangeiro.

O especialista da Cepal disse à BBC Mundo que o setor do petróleo continua atraindo recursos - porém mais para manter as operações existentes do que para iniciar novos projetos.

"A Venezuela é um país complicado de atrair investimentos em setores que não sejam o petrolífero", disse Calderón.

Na avaliação da Cepal, a Argentina também pode ser um caso de acidente matemático.

Ocorrida em 2012, a nacionalização da YPF, do setor de petróleo, foi contabilizada em 2014 - jogando para baixo as cifras daquele ano, o que ajudaria a explicar o aumento registrado em 2015.

Não fosse isso, os números do ano passado teriam sido parecidos com os de 2014, avalia Calderón.

Crescimento e queda

O relatório da Cepal afirma que há indícios mais sólidos de crescimento no México e na América Central.

El Salvador, por exemplo, registrou o terceiro maior crescimento dos investimentos estrangeiros diretos, com 38%. Já o México ficou em quinto lugar, com 18%.

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O declínio dos investimentos estrangeiros na América Latina e Caribe contrasta com a tendência de dinamismo observada no nível global

Os especialistas afirmam que o fenômeno se deve ao fato de os Estados Unidos e outros países instalarem fábricas nos territórios desses locais para exportar carros e outros produtos.

Embora tenha continuado com sua estratégia de cortejar os investimentos estrangeiros, a Colômbia registrou a maior queda da região em 2015, com 26%.

Assim como ocorre com o resultado positivo de Venezuela e Argentina, os especialistas da Cepal afirmam tratar-se de um algo pontual.

"No caso da Colômbia, (o país) continuou com um forte dinamismo de atração de investimentos. Está em níveis bem altos em relação ao que tem sido seus níveis históricos. A partir de 2011, tem estado ao redor dos US$ 15 milhões. Em 2015 caiu um pouco, mas continua com níveis altos", afirmou Calderón.

"Aqui não há um efeito de 'castigo' dos investidores para a Colômbia. São circunstâncias relacionadas ao ciclo de investimento. Sou muito otimista diante dos registros de investimentos para o país em 2016 e nos anos seguintes", acrescentou.

O documento da Cepal ressalta que a queda dos investimentos estrangeiros na América Latina e Caribe no ano passado contrasta com o dinamismo observado no nível global.

Os fluxos mundiais dessas aplicações aumentaram 36%, chegando a um total estimado de US$ 1,7 trilhão, impulsionados por uma onda intensa de fusões transnacionais de empresas e aquisições concentradas em países desenvolvidos - nos Estados Unidos em particular.

BBC