Câncer: Técnica que usa luz para induzir célula doente ao suicídio é aperfeiçoada

Pequenos danos em locais específicos das células ativam mecanismos de morte celular regulada

Terapia fotodinâmica (PDT), usada para tratar doenças que envolvam proliferação celular descontrolada, emprega luz e compostos que absorvem luz (fotossensibilizadores) para gerar reações que causem danos irreversíveis às células doentes – Foto: John Crawford/Domínio Público via Wikimedia Commons

No Instituto de Química (IQ) da USP, pesquisa buscou controlar o destino de células doentes ativando mecanismos de morte celular regulada. Os cientistas utilizaram luz e compostos que absorvem luz (fotossensibilizadores), os quais atuam em locais específicos nas células (mitocôndrias e lisossomos), levando à sua total destruição a partir de pequenos danos iniciais. A descoberta poderá aperfeiçoar a terapia fotodinâmica (PDT), utilizada no tratamento do câncer e de infecções. O estudo foi realizado no Centro de Pesquisa de Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma), sediado no IQ.

Em geral, os compostos fotossensibilizadores absorvem luz e transferem energia para formar substâncias com grande reatividade química, as quais causam danos irreversíveis às células. “Eles podem levar a célula a morrer de forma descontrolada, no caso de dano muito severo, também chamada de necrose”, conta o professor Maurício Baptista, coordenador da pesquisa. “Podem ainda induzirem a ativação de mecanismos de morte programada ou de reparos que acabam por levar a célula a morrer também, mas de forma menos drástica que na necrose.”

A PDT pode induzir à morte celular de várias formas. “Isso depende de diversos fatores, como o tipo de célula tumoral, a estrutura dos compostos fotossensibilizantes, a dose de luz e a concentração do próprio composto”, afirma Baptista. “Hoje se alcança praticamente qualquer tecido com luz e consequentemente qualquer doença que envolva proliferação celular descontrolada pode ser tratada pela PDT, mas principalmente câncer e lesões pré-cancerígenas, infecções por microorganismos e vírus e degenerescência da mácula ligada a idade, doença que afeta a retina e pode levar à perda da visão.”

De acordo com o professor, as pesquisas procuram aprimorar a eficiência dos fotossensibilizadores. “Os estudos identificam as maneiras que esses compostos matam células tumorais ou agentes infecciosos da forma mais elegante, sem causar danos nos tecidos vizinhos e com a menor quantidade possível de luz e do próprio fotossensibilizador”, destaca.

Autofagia

A autofagia é um mecanismo de sobrevivência celular, baseado na degradação e reciclagem de organelas no seu interior, mantendo a célula estabilizada frente ao estresse nutritivo ou mesmo oxidativo. “Células com mecanismo autofágico funcional têm uma sobrevida maior do que células com autofagia defeituosa, que tendem a envelhecer rapidamente e a morrer com maior facilidade”, explica Baptista. “Células tumorais necessitam de forma mais contundente da autofagia para sobreviver, pois seus mecanismos celulares não são tão bem controlados. Consequentemente, atualmente busca-se novas drogas antitumorais identificando moléculas que afetam a autofagia.”

A mitocôndria é a organela responsável pela manutenção dos níveis de energia da célula e também tem papel central nos mecanismos de sinalização que definem se ela pode continuar viva ou se deve morrer (mecanismos regulados de morte celular). “Ela necessita de processamento e reciclagem constante, então tem um mecanismo de ativação da autofagia (mitofagia) pronto para agir quando há algum problema”, descreve o professor. “O lisossomo é a organela que executa a digestão de mitocôndrias danificadas.”

A pesquisa demonstrou que danos específicos nas membranas da mitocôndria ativam a mitofagia. “Paralelamente, danos nas membranas dos lisossomos inibem a execução da autofagia”, aponta Baptista. “Esses dois processos combinados conduzem a célula à morte de forma contundente, e em decorrência de danos iniciais muito pequenos, mas bem localizados.” As conclusões são apresentadas em artigo publicado na revista Autophagy.

O estudo foi realizado inicialmente como projeto de mestrado de Nayra Fernandes Santos, e desenvolvido em parceria com Waleska Martins, também pesquisadora do Cepid Redoxoma, que foi pós-doutoranda no laboratório e atualmente é professora da Universidade Anhanguera de São Paulo. O trabalho teve também a participação do professor Luis Gustavo Dias, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, nos cálculos teóricos. O Redoxoma é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).


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