Segundo a pesquisa (2008) da CBL (Câmara Brasileira do Livro) cada brasileiro lê, em média, 1,8 livro/ano, porém, outros dados da própria CBL mostram que no ano 2000 o segmento das “obras gerais”, no qual se inserem os livros de autoajuda, cresceu 7%. Entre 1997 e 1998, as vendas desse segmento dobraram, passando de 1,1 milhão para 2,1 milhões de exemplares vendidos. Em 1994, elas não ultrapassavam a 411,9 mil exemplares.
Do absurdo ao inimaginável, os dados e estatísticos da CBL mostram não apenas a falta de cultura da população brasileira, mas um comportamento totalmente dependente de pensamentos e experiências alheias, onde a leitura deixou de ser uma conversação com os melhores homens e pensadores de nossa época, para ser um “mapa do tesouro”. No post de hoje, estaremos analisando e compreendendo os mecanismos que estruturam a literatura de autoajuda, bem como as consequências de sua leitura para a população que a procura.
De forma simples e também simplista, esse tipo de Literatura funciona basicamente de duas formas: a primeira função constitui em ser um guia de aprimoramento pessoal — “alimento” espiritual — e a segunda, é de ordem prática: ser um guia no desenvolvimento e sucesso perante situações profissionais, econômicas e sociais.
O aprimoramento pessoal segundo o autor de livros de ajuda Roberto Shinyashiki, é a arte de dar uma roupagem estimulante ao bom senso, porém segundo Schopenhauer, uma grande quantidade de conhecimentos quando não foi elaborada por um pensamento próprio, tem menos valor do que uma quantidade bem mais limitada, que, no entanto, foi devidamente assimilada por pensamentos próprios. O efeito que o pensamento próprio tem sobre a mente é incrivelmente diferente do efeito que caracteriza a leitura.
Um dos mecanismos que constitui a função típica de aprimoramento pessoal são os motivacionais que trazem frases e mensagens “positivas” para levantar a autoestima dos leitores. Essa estratégia baseia-se na valorização da estima do indivíduo, propagando a idéia de que o sucesso depende de ações que estão ao alcance de todos, contrariando a própria realidade econômica e culturalmente competitiva e desigual de nossa sociedade. Além disso, reforça o individualismo em detrimento dos laços sociais. Isso significa dizer que as pessoas são cada vez mais incentivadas a se preocuparem consigo mesmas.
De acordo com Schopenhauer, “um livro nunca pode ser mais do que a impressão dos pensamentos do autor. O valor desses pensamentos se encontra ou na matéria, portanto naquilo sobre o que ele pensou, ou na forma, isto é, na elaboração da matéria, portanto naquilo que ele pensou sobre aquela matéria. [...] Portanto, quando um livro é célebre, é preciso distinguir se isso se deve a matéria ou á forma.”.
“Pessoas comuns e superficiais podem nos oferecer, graças à matéria, livros muito importantes, uma vez que o tema só era acessível a elas [...] Em contrapartida, quando o importante é a forma, já que a matéria é acessível a todos, ou já conhecida, portanto quando apenas o que é pensado pode dar valor ao esforço de pensar sobre esse tema só uma mente de destaque é capaz de nos oferecer algo de ser lido. Pois os demais escritores pensam apenas o que qualquer outra pessoa pode pensar.”
Conforme Schopenhauer, podemos criticar o modelo dos autores de autoajuda que se destacam por resumir em linguagem acessível teorias complexas da Psicologia e demais ciências, que fazem dos leitores, ávidos estudiosos da matéria e não da forma. Além disso, alguns leitores podem interpretar de forma errônea a literatura de autoajuda como uma substituição ou como um procedimento tão eficaz quanto um procedimento terapêutico. Porém, a diferença existente entre ambas é colossal.
Uma grande maioria dos autores escrevem suas teorias baseadas em experiências próprias ou usando exemplos de homens de sucesso. Porém, a mera experiência não pode substituir o pensamento e a reflexão propositada na razão. Enquanto os terapeutas trabalham compreendendo a subjetividade e particularidades dos indivíduos sendo respaldados pelo compromisso social e ético com a população, os “gurus” e “fadas” da autoajuda escrevem receitas que independente de quem seja o leitor, irá funcionar.
Podemos concluir que, nada é mais prejudicial ao pensamento próprio do que uma influência muito forte de pensamentos alheios, e que qualquer um que prefere crer a julgar por si mesmo estará tirando toda “elasticidade” e autonomia da própria mente.
“As pessoas que passam suas vidas lendo e tiram sua sabedoria dos livros são semelhantes àquelas que, a partir de muitas descrições de viagens, têm informações precisas a respeito de um país. Elas podem fornecer muitos detalhes sobre o lugar, mas no fundo não dispõem de nenhum conhecimento coerente, claro e profundo das características daquele país.” Schopenhauer
Por Pedro Paulo | Redação Diário Potiguar
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