Inventos de professor da UFRN auxiliam ensino da medicina

Alunos utilizam inventos durante aulas de Medicina de Urgência na UFRN

Por Luciano Galvão Filho

No meio da tarde, um jovem vidraceiro chega ao hospital. O rapaz, que tem um corte no braço, é atendido por um estudante de Medicina – igualmente moço – que, após conversa protocolar, trata do machucado enquanto retira pequenos pedaços de vidro de dentro do ferimento. O processo tem a supervisão de um professor, atento, a comentar com tranquilidade cada passo executado pelo aluno. “Olha aí. Tem vidro aí. Estou vendo com uma visão de super-homem que tem um ali no cantinho”, brinca.

Na verdade, todo o procedimento é uma simulação, parte de uma aula da disciplina Medicina de Urgência na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O paciente – na realidade um estudante – não está ferido, mas tem preso ao braço um dispositivo que imita a lesão. O docente José Luiz de Souza Neto, além de coordenar a atividade é também o inventor do falso ferimento, idealizado e confeccionado por ele próprio de modo artesanal para enriquecer suas lições na Universidade.

“O médico tem que saber dar um ponto, usar o bisturi. É importante ter conhecimento dos procedimentos básicos”, comenta, ao relatar o que acontece em suas classes. “Temos modelos em bonecos, mas eles são inanimados, não reagem. Com algo vestido no braço do aluno, quem treina o procedimento tem uma sensação mais próxima do real. Você fica ansioso porque está sendo observado, coisa que o boneco sozinho não tem condições de simular”, afirma.

O cirurgião criou também um outro equipamento, igualmente ajustável ao corpo, para o ensino de punções – operações em que se fura vaso sanguíneo do paciente com agulha, normalmente no antebraço ou nas costas da mão, para coletar sangue ou introduzir substâncias. O mecanismo foi apresentado em eventos acadêmicos e tornou-se tema de pesquisa conduzida por José Luiz no Mestrado Profissional em Ensino na Saúde, da UFRN.
Anastácia Vaz 

Professor José Luiz de Souza Neto mostra algumas ferramentas criadas por ele
No estudo, o modelo confeccionado pelo professor é utilizado durante as aulas de Medicina de Urgência, em que metade dos discentes realizam as atividades práticas em bonecos, enquanto os demais utilizam o invento do pesquisador. O objetivo é medir a viabilidade do aparelho regulável ao corpo para o ensino da punção, assim como colher contribuições dos estudantes para aperfeiçoamentos do dispositivo. “A punção é uma habilidade básica, não só para o médico, mas também para o farmacêutico ou para o enfermeiro. Escolhemos especificamente esse equipamento para nosso trabalho porque é algo que pode ter impacto em nossa área”, diz o docente, lembrando que o instrumento pode servir ainda à formação de socorristas ou de membros das forças armadas.
Outras criações

Os inventos de José Luiz não se limitam a utensílios de suporte ao ensino. O professor idealizou também duas ferramentas que possuem aplicação na videolaparoscopia – técnica de cirurgia do abdômen menos invasiva que utiliza câmeras na operação, sua área de atuação médica fora da Universidade.

Uma das criações é uma bolsa plástica utilizada para recolher e retirar resíduos gerados pela cirurgia. Outra é um mecanismo que limpa as lentes da câmera utilizada no procedimento sem necessidade de retirá-la do abdômen do paciente. O docente explica que já existem produtos no mercado que desempenham funções semelhantes às de seus inventos, mas que estes podem ter custos menores e desempenho igual ou superior.

“A gente usa os equipamentos no dia-a-dia. Tive a oportunidade de conversar com pessoas de empresas do setor e mostrá-los, mas não conseguimos viabilizá-los comercialmente”, conta o pesquisador. “Eles consideraram as ideias viáveis, mais simples e mais baratas, mas não querem se dedicar a produtos equivalentes aos seus. A impressão que eu tenho é que, para as empresas, o que é barato não serve, quanto mais caro, melhor”, comenta.

Uma máquina para aplicar curativos e até mesmo um inusitado aparelho para recolher bolinhas de tênis-de-mesa também estão na lista de ideias de José Luiz, que registrou pedidos de patentes dos dispositivos junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), órgão responsável pela propriedade intelectual para a indústria no Brasil. Os pedidos referentes aos instrumentos destinados ao ensino de técnicas médicas foram feitos por meio do Núcleo de Inovação Tecnológica da UFRN, e, caso aceitos, podem gerar patentes para a Universidade.

Sobre suas ideias, o cirurgião diz que elas surgem de dificuldades comuns do cotidiano, a partir das quais procura sempre maneiras simples para resolvê-las. “Em cada momento tive que me dedicar para achar as soluções”, afirma, “são muitas as coisas que temos para fazer todos os dias, mas, para rendermos, é preciso parar e pensar”.

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